Declaração de Cartagena

DECLARAÇÃO DE CARTAGENA*

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

I
Recordando as conclusões e recomendações adotadas pelo Colóquio realizado no México
sobre Asilo e Proteção Internacional de Refugiados na América Latina, que estabeleceu
importantes critérios para a análise e consideração desta matéria;
Reconhecendo que a situação na América Central, no que concerne aos refugiados, tem
evoluído nestes últimos anos, de tal forma que tem adquirido novas dimensões que
requerem uma especial consideração;
Apreciando os generosos esforços que os países receptores de refugiados da América
Central têm realizado, não obstante as enormes dificuldades que têm enfrentado,
particularmente perante a crise econômica atual;
Destacando o admirável trabalho humanitário e apolítico desempenhado pelo ACNUR
nos países da América Central, México e Panamá, em conformidade com o estabelecido
na Convenção das Nações Unidas de 1951 e no Protocolo de 1967, bem como na
Resolução 428 (V) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em virtude da qual, o
mandato do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados se aplica a todos
os Estados, sejam ou não partes da mencionada Convenção e/ou Protocolo;
Tendo igualmente presente o trabalho efetuado na Comissão Interamericana de Direitos
Humanos no que concerne à proteção dos direitos dos refugiados no continente;
Apoiando decididamente os esforços do Grupo Contadora para solucionar de modo
efectivo e duradouro o problema dos refugiados na América Central, que constituem um
avanço significativo na negociação de acordos operativos a favor da paz na região;
Expressando a sua convicção de que muitos dos problemas jurídicos e humanitários que
têm surgido na região da América Central, México e Canadá, no que se refere aos
refugiados, só podem ser encarados tendo em consideração a necessária coordenação e
harmonização entre os sistemas universais, regionais e os esforços nacionais.

II
Tendo tomado conhecimento, com apreço, dos compromissos em matéria de refugiados
incluídos na Ata de Contadora para a Paz e Cooperação na América Central, cujos
critérios partilha plenamente e que a seguir se transcrevem:
a) Realizar, se ainda o não fizeram, as alterações constitucionais, para a adesão à
Convenção de 1951 e ao Protocolo de 1967 sobre o Estatuto dos Refugiados;

b) Adotar a terminologia estabelecida na Convenção e no Protocolo, citados no parágrafo
anterior, com o objetivo de diferenciar os refugiados de outras categorias de migrantes;

c) Estabelecer os mecanismos internos necessários para aplicar as disposições da
Convenção e do Protocolo citados, quando se verifique a adesão;

d) Que se estabeleçam mecanismos de consulta entre os Países da América Central com
representantes dos gabinetes governamentais responsáveis pelo tratamento do problema
dos refugiados em cada Estado;

e) Apoiar o trabalho que realiza o Alto Comissariado das Nações Unidas para os
Refugiados (ACNUR) na América Central e estabelecer mecanismos diretos de
coordenação para facilitar o cumprimento do seu mandato;

f) Que todo o repatriamento de refugiados seja de caráter voluntário, manifestado
individualmente e com a colaboração do ACNUR;

g) Que, com o objetivo de facilitar o repatriamento dos refugiados, se estabeleçam
comissões tripartites integradas por representantes do Estado de origem, do Estado
receptor e do ACNUR;

h) Fortalecer os programas de proteção e assistência aos refugiados, sobretudo nos
aspectos de saúde, educação, trabalho e segurança;

i) Que se estabeleçam programas e projetos com vista à auto-suficiência dos refugiados;

j) Capacitar os funcionários responsáveis em cada Estado pela proteção e assistência aos
refugiados, com a colaboração do ACNUR ou outros organismos internacionais;

k) Solicitar à comunidade internacional ajuda imediata para os refugiados da América
Central, tanto de forma direta, mediante convênios bilaterais ou multilaterais, como
através do ACNUR e outros organismos e agências;

l) Procurar, com a colaboração do ACNUR, outros possíveis países receptores de
refugiados da América Central. Em caso algum se enviará o refugiado contra a sua
vontade para um país terceiro;

m) Que os Governos da região empreguem os esforços necessários para erradicar as
causas que provocam o problema dos refugiados;

n) Que, uma vez acordadas as bases para o repatriamento voluntário e individual, com
garantias plenas para os refugiados, os países receptores permitam que delegações
oficiais do país de origem, acompanhadas por representantes do ACNUR e do país
receptor, possam visitar os acampamentos de refugiados;

o) Que os países receptores facilitem o processo de saída dos refugiados por motivo de
repatriamento voluntário e individual, em coordenação com o ACNUR;

p) Estabelecer as medidas conducentes nos países receptores para evitar a participação
dos refugiados em atividades que atentem contra o país de origem, respeitando sempre os
direitos humanos dos refugiados.

III

O Colóquio adotou, deste modo, as seguintes conclusões:

Primeira – Promover dentro dos países da região a adoção de normas internas que
facilitem a aplicação da Convenção e do Protocolo e, em caso de necessidade, que
estabeleçam os procedimentos e afetem recursos internos para a proteção dos refugiados.
Propiciar, igualmente, que a adoção de normas de direito interno sigam os princípios e
critérios da Convenção e do Protocolo, colaborando assim no processo necessário à
harmonização sistemática das legislações nacionais em matéria de refugiados.

Segunda – Propiciar que a ratificação ou adesão à Convenção de 1951 e ao Protocolo de
1967 no caso dos Estados que ainda o não tenham efetuado, não seja acompanhada de
reservas que limitem o alcance de tais instrumentos e convidar os países que as tenham
formulado a que considerem o seu levantamento no mais curto prazo.

Terceira – Reiterar que, face à experiência adquirida pela afluência em massa de
refugiados na América Central, se toma necessário encarar a extensão do conceito de
refugiado tendo em conta, no que é pertinente, e de acordo com as características da
situação existente na região, o previsto na Convenção da OUA (artigo 1., parágrafo 2) e a
doutrina utilizada nos relatórios da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos.

Deste modo, a definição ou o conceito de refugiado recomendável para sua utilização na
região é o que, além de conter os elementos da Convenção de 1951 e do Protocolo de
1967, considere também como refugiados as pessoas que tenham fugido dos seus países
porque a sua vida, segurança ou liberdade tenham sido ameaçadas pela violência
generalizada, a agressão estrangeira, os conflitos internos, a violação maciça dos direitos
humanos ou outras circunstâncias que tenham perturbado gravemente a ordem pública.

Quarta – Ratificar a natureza pacífica, apolítica e exclusivamente humanitária da
concessão de asilo ou do reconhecimento da condição de refugiado e sublinhar a
importância do princípio internacionalmente aceite segundo o qual nada poderá ser
interpretado como um ato inamistoso contra o país de origem dos refugiados.

Quinta – Reiterar a importância e a significação do princípio de non-refoulement
(incluindo a proibição da rejeição nas fronteiras), como pedra angular da proteção
internacional dos refugiados. Este princípio imperativo respeitante aos refugiados, deve
reconhecer-se e respeitar-se no estado atual do direito internacional, como um princípio
de jus cogens.

Sexta – Reiterar aos países de asilo a conveniência de que os acampamentos e instalações
de refugiados localizados em zonas fronteiriças sejam instalados no interior dos países de
asilo a uma distância razoável das fronteiras com vista a melhorar as condições de
proteção destes, a preservar os seus direitos humanos e a pôr em prática projetos
destinados à auto-suficiência e integrarão na sociedade que os acolhe.

Sétima – Expressar a sua preocupação pelo problema dos ataques militares aos
acampamentos e instalações de refugiados que têm ocorrido em diversas partes do mundo
e propor aos governos dos países da América Central, México e Panamá que apoiem as
medidas propostas pelo Alto Comissariado ao Comitê Executivo do ACNUR.

Oitava – Propiciar que os países da região estabeleçam um regime de garantias mínimas
de proteção dos refugiados, com base nos preceitos da Convenção de 1951 e do Protocolo
de 1967 e na Convenção Americana dos Direitos Humanos, tomando-se ainda em
consideração as conclusões emanadas do Comitê Executivo do ACNUR, em particular a
n. 22 sobre a Proteção dos Candidatos ao Asilo em Situações de Afluência em Grande
Escala.

Nona – Expressar a sua preocupação pela situação das pessoas deslocados dentro do seu
próprio país. A este respeito, o Colóquio chama a atenção das autoridades nacionais e dos
organismos internacionais competentes para que ofereçam proteção e assistência a estas
pessoas e contribuam para aliviar a angustiosa situação em que muitas delas se
encontram.

Décima – Formular um apelo aos Estados Signatários da Convenção Americana sobre
Direitos Humanos de 1969 para que apliquem este instrumento na sua conduta com os
asilados e refugiados que se encontram no seu território.

Décima primeira – Estudar com os países da região que contam com uma presença
maciça de refugiados, as possibilidades de integração dos refugiados na vida produtiva do
país, destinando os recursos da comunidade internacional que o ACNUR canaliza para a
criação ou geração de empregos, possibilitando assim o desfrutar dos direitos
econômicos, sociais e culturais pelos refugiados.

Décima segunda – Reiterar o caráter voluntário e individual do repatriamento dos
refugiados e a necessidade de que este se efetue em condições de completa segurança,
preferencialmente para o lugar de residência do refugiado no seu país de origem.

Décima terceira – Reconhecer que o reagrupamento das famílias constitui um princípio
fundamental em matéria de refugiados que deve inspirar o regime de tratamento
humanitário no país de asilo e, da mesma maneira, as facilidades que se concedam nos
casos de repatriamento voluntário.

Décima quarta – Instar as organizações não governamentais, internacionais e nacionais a
prosseguirem o seu incomensurável trabalho, coordenando a sua ação com o ACNUR e
com as autoridades nacionais do país de asilo, de acordo com as diretrizes dadas por estas
autoridades.

Décima quinta – Promover a utilização, com maior intensidade, dos organismos
competentes do sistema interamericano e, em especial, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos com o propósito de complementar a proteção internacional dos asilados e refugiados. Desde já, para o cumprimento dessas funções, o Colóquio considera que seria aconselhável acentuar a estreita coordenação e cooperação existente entre a Comissão e o ACNUR.

Décima sexta – Deixar testemunho da importância que reveste o Programa de
Cooperação OEA/ACNUR e as atividades que se têm desenvolvido e propor que a
próxima etapa concentre a sua atenção na problemática que gera a afluência maciça de
refugiados na América Central, México e Panamá.

Décima sétima – Propiciar nos países da América Central e do Grupo Contadora uma
difusão a todos os níveis possíveis das normas internacionais e internas referentes à
proteção dos refugiados e, em geral, dos direitos humanos. Em particular, o Colóquio
considera de especial importância que essa divulgação se efetue contando com a valiosa
cooperação das correspondentes universidades e centros superiores de ensino.

IV

Em consequência, o Colóquio de Cartagena,
Recomenda:

• Que os compromissos em matéria de refugiados contidos na Ata da Paz de Contadora
constituam, para os dez Estados participantes no Colóquio, normas que devem ser
necessária e escrupulosamente respeitadas para determinar a conduta a seguir em
relação aos refugiados na América Central;

• Que as conclusões a que se chegou no Colóquio (III) sejam tidas adequadamente em
conta para encarar a solução dos gravíssimos problemas criados pela atual afluência
maciça de refugiados na América Central, México e Panamá;

• Que se publique um volume que contenha o documento de trabalho, as exposições e
relatórios, bem como as conclusões e recomendações do Colóquio e restantes
documentos pertinentes, solicitando ao Governo da Colômbia, ao ACNUR e aos
organismos competentes da OEA que adotem as medidas necessárias a fim de
conseguir a maior divulgação dessa publicação;

• Que se publique o presente documento como Declaração de Cartagena sobre os
Refugiados;

• Que se solicite ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados que
transmita oficialmente o conteúdo da presente Declaração aos Chefes de Estado dos
países da América Central, de Belize e dos países integrantes do Grupo Contadora.
Finalmente, o Colóquio expressou o seu profundo agradecimento às autoridades
colombianas, e em particular ao Senhor Presidente da República, Dr. Belisário Betancur,
e ao Ministro dos Negócios Estrangeiros, Dr. Augusto Ramirez Ocampo, ao Alto
Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, Dr. Poul Hartling, que honraram com
a sua presença o Colóquio, bem como à Universidade de Cartagena de Índias e ao Centro
Regional de Estudos do Terceiro Mundo, pela iniciativa e realização deste importante
evento. De um modo especial, o Colóquio expressou o seu reconhecimento ao apoio e
hospitalidade oferecidos pelas autoridades do Departamento de Bolívar e da Cidade de
Cartagena. Agradeceu, igualmente, o caloroso acolhimento do povo desta cidade,
justamente conhecida como Cidade Heróica.

Finalmente, o Colóquio, deixou testemunhado o seu reconhecimento à generosa tradição
de asilo e refúgio praticada pelo povo e autoridades da Colômbia.
Cartagena das Índias, 22 de Novembro de 1984.

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