No Líbano, país que mais acolhe os sírios, “falta tudo” para os refugiados

sexta-feira, dezembro 20, 2013

Refugiados sírios no inverno libanês | IKMR

Refugiados sírios caminham na neve em Akroum, no Líbano

Eles saem em pequenos grupos das barracas do acampamento de refugiados sírios de Ketermaya –um vilarejo a 25 quilômetros de Beirute–, local que parecia deserto até aquele instante. Usam roupas leves demais para o vento glacial nessas colinas de Iqlim al-Kharroub, chinelos sem meia no chão lamacento e escorregadio. Os menores têm o rosto sujo e o nariz escorrendo.

Os refugiados se reúnem para algo que, nesse lugar de infortúnio, parece quase um milagre: uma distribuição de botas de plástico para as crianças, por iniciativa de um cidadão comum. A organização é aleatória, muitos saem de mãos abanando em meio a uma fúria contida das mães. Por falta de financiadores, as ajudas vão diminuindo no Líbano, o principal país que recebe os sírios. Essa situação é ainda mais difícil pelo fato de que o inverno, que chegou repentinamente com a tempestade Alexa, deixou várias regiões em um frio cortante.

No dia 16 de dezembro, as Nações Unidas lançaram um apelo recorde por verba para 2014: US$ 6,5 bilhões (mais de R$ 15 bilhões) são necessários para as demandas dos 2,4 milhões de sírios refugiados no Oriente Médio, desde a Turquia até o Egito, e dos deslocados dentro de seu próprio país em guerra (4,5 milhões). Segundo a ONU, o número de refugiados poderá dobrar até o final de 2014, chegando a mais de 4,1 milhões.

Só para o Líbano, onde hoje os refugiados são 800 mil, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) –ou seja, um em cada cinco habitantes–, é necessário US$ 1,9 bilhão para cobrir a ação conjunta da ONU, de organizações e do governo libanês destinada aos refugiados, mas também às comunidades de atendimento a libaneses desprivilegiados. Que soma será reunida? Na ocasião do primeiro pedido, somente 51% do montante foi coletado, graças primeiramente aos Estados Unidos, ao Kuwait e à União Europeia, os três principais doadores.

Os ricos países do Golfo (Arábia Saudita, Qatar e Emirados), em grande peso no apoio político e militar à rebelião, não constam na última lista dos fornecedores de verba às Nações Unidas no Líbano. Eles preferem distribuir ajuda através de canais privados, em alguns casos religiosos.

Resultado: as agências da ONU devem fazer “escolhas dolorosas”, ou seja, cortes drásticos. O Acnur já havia alertado na primavera que vinha se aproximando o “ponto de ruptura” para essa crise, a mais grave do momento para as Nações Unidas. No Líbano, o acesso a atendimento médico agora se limita aos casos mais urgentes: gestantes e crianças. Somente um terço dos jovens em idade de frequentar a escola tem acesso à educação, seja através de escolas públicas ou de aulas noturnas. As Nações Unidas também reavaliaram as necessidades: desde outubro, o auxílio (com alimentos, aquecimento, produtos de higiene), mantido para os mais necessitados, foi cortado para 30% dos refugiados.

Noura, uma jovem mãe do acampamento de Ketermaya, não entende por que ela foi excluída desse auxílio. “Nossos filhos estão morrendo de frio. Não temos como nos aquecer, nem roupas quentes! Falta tudo: água, eletricidade”, conta essa mulher proveniente do subúrbio de Damasco.

Rasha, que mantém seu filho mais novo de dois meses enrolado nas cobertas dentro da pequena moradia feita de madeira compensada recoberta de lona, enfrenta a mesma angústia. “Não estamos recebendo mais nada da ONU. Tenho três filhos, meu marido não trabalha, assim como quase nenhum homem no acampamento.” Para sobreviver, ela espera a cada dois meses a cesta de alimentos distribuída pelo proprietário do terreno, Ali Tafech, representante local da Corrente do Futuro, o partido do ex-premiê sunita Saad Hariri. “Mas a cesta acabou antes que a outra chegasse”, diz Rasha, preocupada. “Então a gente se vira fazendo um acordo com uma vizinha que ainda tem direito aos cupons de alimentos.”

A chegada do inverno, que recobriu de neve certos vilarejos da planície de Bekaa, fragilizou refugiados cada vez mais desesperados, estejam eles vivendo em alojamentos de alvenaria ou, assim como quase 80 mil deles, em acampamentos informais.

Em Ketermaya, terreno situado em uma bacia e ligado por um caminho de terra intransitável por carro, “a chuva chegou a entrar nos barracos”, conta Rasha. O acampamento fica afastado do vilarejo, fora das vistas daquele que visita essa cidade que ganhou triste fama em 2010 após o linchamento de um egípcio suspeito de homicídio.

Beirute, para quem os refugiados representam uma forte pressão econômica e demográfica, acusa a comunidade internacional de não responder à altura, e lembra que o Líbano nunca fechou suas fronteiras. As regiões de Ersal e de Chebaa, vizinhas da Síria, costumam receber civis que estão fugindo de conflitos do outro lado da fronteira. Uma conferência de doadores para a Síria deve ocorrer em janeiro, no Kuwait. Mas a que foi realizada no início de 2013 terminou com inúmeras promessas não cumpridas, sobretudo por parte dos países do Golfo.

A diminuição da ajuda institucional deixa o campo livre para outras iniciativas. Ali Tafech, o proprietário do terreno de Ketermaya, mostra o acampamento para um representante de uma organização islâmica britânica. As latrinas, que também servem como duchas, são espartanas. Tafech mostra também ao potencial benfeitor a mesquita que ele instalou –um de seus orgulhos–, embora o chamado à oração das mesquitas de Ketermaya chegue até o acampamento, levado pelo vento.

Agachada, a velha Oum Mohamed lava a louça no chão mesmo com água gelada. É ali também que ela prepara as refeições –arroz, massa– sobre tijolos de concreto, pois não existe cozinha no acampamento. Ela se recusa a acompanhar as notícias sobre a Síria: “Meu país está arrasado, destruído. Para quê ver isso, para chorar?”, questiona. Suas preocupações é outra: enfrentar a miséria.

Fonte: Controvérsia via UOL


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