Após se refugiar no Brasil, congolês sonha em ser astro do basquete

quinta-feira, abril 24, 2014

Congolês Al aguarda aprovação de pedido de refúgio no Brasil. Foto: Caio Kenji/G1

Congolês Al aguarda aprovação de pedido de refúgio no Brasil. Foto: Caio Kenji/G1

O congolês Al, de 18 anos, chora até hoje ao se lembrar do dia em que uma tragédia na família o fez deixar sua cidade natal, Goma, no leste da República Democrática do Congo. Morador de uma área de conflito, ele diz que a irmã foi estuprada por integrantes das forças armadas de Ruanda, país vizinho que cobiça a região de Goma por sua riqueza mineral.

Segundo Al (cujo nome verdadeiro não será divulgado por questões de segurança), o crime foi apenas um dos cometidos pelos algozes naquele dia. “Quando eles não encontravam coisas para roubar, faziam todo tipo de maldade. Sempre aconteceu isso. Se eu estivesse na casa, eles me pegariam para lutar. Se eu recusasse, seria morto.”

O medo de novos ataques e a instabilidade política no Congo, que há anos passa por uma crise humanitária causada por embates entre governo e opositores do presidente Joseph Kaliba, fizeram com que Al, a irmã, o marido dela e o cunhado decidissem sair de vez do país.

Em maio de 2013, a família procurou um campo da Organização das Nações Unidas (ONU) e pediu ajuda para sair de Goma. Após passar pela capital, Kinshasa, conseguiu auxílio de um conhecido de um amigo para fugir do Congo. Os quatro embarcaram em um navio em 5 de maio do ano passado, com destino incerto.

Há nove meses no Brasil, o jovem vive em São Paulo, onde trabalha, joga basquete e aguarda a aprovação do pedido de refúgio feito ao Comitê Nacional de Refugiados (Conare). Al deve se juntar aos outros 617 congoleses reconhecidos como refugiados no Brasil, segundo dados do Ministério da Justiça. Os estrangeiros desse país africano já formam o terceiro maior grupo de refugiados em território nacional (veja o mapa com todas as nacionalidades).

Nova vida
Em entrevista ao G1 na sede da Cáritas (organização da sociedade civil que ajuda refugiados) em São Paulo, o jovem de 1,98 metro sorri ao projetar seu futuro, apesar de a lembrança da violência sofrida pela irmã assombrá-lo constantemente.

Feliz com o novo emprego em uma lanchonete na Zona Sul da capital paulista, Al também comemora o fato de ter passado em uma “peneira” para jogar como pivô em um time de basquete no interior do estado. “Uma vez sonhei que serei uma estrela do basquete, da NBA [a liga norte-americana].”

Tímido e falando pausadamente em português com sotaque francês, Al lembra da longa viagem entre o porto de Boma, cidade litorânea do Congo, até o Brasil. Ele e os três parentes foram colocados de forma clandestina no porão de um navio cargueiro. “Davam para a gente bolacha e água. Não deixavam a gente subir [para o convés].” O trajeto durou dois meses. Além da alimentação e higiene precárias, o jovem sofria pela falta de informações. “Não tinha ideia para onde iria. Fiquei com medo.”

Há cerca de nove meses, o navio atracou no Porto de Santos, no litoral paulista. Sem entender a língua falada nem saber onde estava, Al seguiu orientação de um colega responsável por colocá-lo na embarcação e pegou um ônibus que o deixou na capital. “Só fui descobrir em que país estava quando me enviaram para um albergue. Eu nunca tinha ouvido falar do Brasil”, conta. “Não escolhi vir para cá. Deus é que permitiu que isso acontecesse.”

A adaptação do congolês não foi fácil. Além de aprender uma nova língua (com ajuda de dicionários francês-português que comprou), Al teve de se adaptar a uma cultura diferente, com costumes distintos – principalmente à mesa. Habituado a se alimentar da carne de cães e gatos, o jovem estranhou o fato de os animais aqui serem exclusivamente domésticos. Questionado sobre o sabor da comida brasileira, ele responde, sem jeito: “Não gostei”.

Uma das primeiras experiências desagradáveis que Al teve em São Paulo foi causada por um churrasco grego. “Vi aquela carne sendo cortada e achei que era bom. Quando soube que, por R$ 3, além da comida eu podia beber quanto suco quisesse, aproveitei.” Em um espaço de poucos minutos, o rapaz, esfomeado, comeu dois pães e bebeu litros do líquido colorido. “Em seguida, peguei um ônibus e vomitei muito. Depois, no albergue, passei muito mal. Tive de tomar remédios. Prometi que não ia comer mais nada na rua.”

Congolês diz que a comida brasileira não o agrada, mas que está feliz no país. Foto: Caio Kenji/G1

Congolês diz que a comida brasileira não o agrada,
mas que está feliz no país. Foto: Caio Kenji/G1

O jovem precisou encarar, ainda, o tamanho gigantesco da cidade – no início, sofreu por ter ficado em um abrigo distante daquele para o qual a irmã foi enviada – e a burocracia – para abrir uma conta em um banco, teve de enfrentar dezenas de filas em vários dias –, entre outros percalços.

De positivo no Brasil, o africano considera os sistemas de educação e hospitais públicos. “Lá no Congo, as pessoas devem ter dinheiro para estudar e ir ao médico. Muita gente morria por não ter dinheiro para ir a um hospital.”

Ele diz que, nos próximos meses, pretende conciliar sua rotina de trabalho e treinos com os estudos. O plano é começar uma faculdade de engenharia elétrica. “Não entendo como aqui, no Brasil, há escola e as pessoas não querem estudar.”

Atualmente, Al mora com a irmã e o cunhado em uma casa na Zona Oeste de São Paulo. Todos estão empregados e buscam se fixar no Brasil como refugiados. Questionado se sente falta de algo do Congo, ele cita a avó e os amigos. “Mas nunca mais quero voltar. Sei que nada vai mudar lá. Essa guerra vai continuar para sempre.”

Jovens congoleses
Nos últimos anos, jovens congoleses passaram a receber atenção especial de órgãos que atuam com refugiados. “Percebemos que menores desacompanhados vindos de muito longe, principalmente do Congo, passaram a chegar ao Brasil. Não era um perfil que estávamos acostumados”, diz a advogada Larissa Leite, da Cáritas. “Essa questão dos menores tem nos levado a procurar novos programas [para atendê-los].”

O secretário nacional de Justiça, Paulo Abrão, afirma que os jovens congoleses são um dos focos do progama de reassentamento brasileiro, no qual são recebidos estrangeiros que conseguiram o refúgio em um país e, por alguma circunstância, precisam ir para um terceiro lugar. Atualmente, esse convênio é feito quase que na totalidade com países latino-americanos, mas o projeto está em processo de ampliação.

O represente do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) no Brasil, Andrés Ramirez, diz que os jovens congoleses foram escolhidos pois têm todas as condições de se integrar ao nosso país. “A língua francesa, que é uma língua românica, não é tão diferente do português. Além disso, por serem jovens, eles têm mais facilidade para obter um emprego e se adaptar a uma cultura nova”, destaca.

“Está sendo feito agora esse trabalho para que não ocorram problemas como os já registrados com os palestinos, que chegaram há alguns anos e tiveram muita dificuldade para se integrar à sociedade brasileira. Trata-se de um processo complexo, não apenas em nível legal, mas também econômico, social e cultural”, conclui Ramirez.

Congolês Al, de 18 anos, sonha em ser jogador de basquete. Foto: Caio Kenji/G1

Congolês Al, de 18 anos, sonha em ser jogador de basquete. Foto: Caio Kenji/G1

Fonte: G1


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