Pouco futuro para cessar-fogo no Sudão do Sul

sexta-feira, maio 16, 2014

Milhares de refugiados acampam sob as árvores em Minkaman, nordeste do Sudão do Sul. Fazem parte dos centenas de milhares de refugiados que surgiram durante os cinco meses de combates no país. Foto: Andrew Green/IPS

Milhares de refugiados acampam sob as árvores em Minkaman, nordeste do Sudão do Sul. Fazem parte dos centenas de milhares de refugiados que surgiram durante os cinco meses de combates no país. Foto: Andrew Green/IPS

O último cessar-fogo no Sudão do Sul não tem uma semana e já parece condenado ao fracasso, junto com a esperança de que esse país da África oriental possa transitar pelo caminho da recuperação, após cinco meses de combates. No dia 9, o presidente Salva Kiir e seu ex-vice-presidente, Riek Machar, se reuniram brevemente em Adis Abeba, capital da Etiópia, para assinar um acordo no qual voltam a se comprometer com o fim de hostilidades que seus representantes tinham alcançado inicialmente no final de janeiro.

O acordo daquele mês também desmoronou em questão de dias e a luta continuou em grande parte do nordeste do país. Nesse período morreram milhares de pessoas e centenas de milhares se transformaram em refugiados. Nos dias anteriores à reunião em Adis Abeba, Deng Chioh era uma das muitas pessoas que desconfiavam do novo acordo de cessar-fogo. A hostilidade no país é muito profunda, afirmou. “Se a paz chegar ao Sudão do Sul, demorará muito tempo. Não será possível enquanto o líder atual for o chefe do Estado”, opinou à IPS.

Kiir e Machar se encontraram pela primeira vez durante a assinatura desde que sua rivalidade política começou em 15 de dezembro, quando o ex-vice-presidente abandonou uma reunião do partido governante. Horas mais tarde, começou a luta em um quartel militar desta capital e Kiir acusou imediatamente seu ex-vice de orquestrar um golpe de Estado. A veracidade da acusação não importava, já que os combates se estenderam rapidamente, primeiro na capital e depois em grande parte do país.

Nas duas primeiras noites dos combates de dezembro, Chioh teve frenéticos diálogos por telefone com familiares e vizinhos, para tentar saber onde ocorriam as mortes. No terceiro dia, esgotado pela preocupação, ele e nove de seus familiares se mudaram para uma base da Missão de Assistência das Nações Unidas na República do Sudão do Sul (UNMISS). O local, conhecido como Casa ONU (Organização das Nações Unidas), está nos arredores de Juba, ao pé da montanha Jebel, um dos poucos obstáculos que interrompe a paisagem plana da capital. Chioh contou que pouco depois ficaram sem notícias de vários familiares que permaneceram em suas casas, e supõe-se que foram mortos.

O encontro em Adis Abeba aconteceu depois que os atores regionais e internacionais reforçaram sua pressão para que acabasse a violência. Este mês, os Estados Unidos sancionou um chefe militar de cada lado do conflito e advertiu que poderia impor mais medidas. No novo pacto, as duas partes acordaram imobilizar suas forças no prazo de 24 horas e dar às organizações humanitárias acesso a milhares de civis presos nas zonas de combate. A UNMISS anunciou, poucas horas depois de anunciado o cessar-fogo, que estava preparada para começar a entrega de “ajuda para salvar vidas”, no caso de confirmação da trégua.

Uma embarcação com mulheres e crianças chega à localidade de Mingkaman, no condado de Awerial do Sudão do Sul. Em menos de um mês, cerca de 84 mil pessoas fugiram dos combates em Bor e cruzaram o rio Nilo até Awerial. Crédito: Mackenzie Knowles-Coursin/IPS

Uma embarcação com mulheres e crianças chega à localidade de Mingkaman, no condado de Awerial do Sudão do Sul. Em menos de um mês, cerca de 84 mil pessoas fugiram dos combates em Bor e cruzaram o rio Nilo até Awerial. Crédito: Mackenzie Knowles-Coursin/IPS

A profundidade da divisão que afeta o Sudão do Sul ficou clara nos dias anteriores ao encontro na Etiópia, quando a UNMISS divulgou um informe que documenta as “graves violações dos direitos humanos” por ambas as partes durante os enfrentamentos, como o assassinato coletivo, a violação e o sequestro de civis inocentes.

Os combates têm um ingrediente étnico desde o princípio, já que a comunidade dinka de Kiir enfrenta a nuer, de Machar, e a violência contra os civis aumentou a desconfiança entre os diferentes grupos do país. Quanto mais demora a paz, pior para os habitantes desse país que ficou independente em julho de 2011. Houve numerosas atrocidades. Por exemplo, os rebeldes são acusados de assassinar mais de 200 civis que se escondiam em uma mesquita na cidade de Bentiu, capital do Estado de Unidade.

Cerca de 80 mil pessoas estavam refugiadas nas bases da UNMISS, protegidas pelas forças de paz da ONU. Mais de dez mil pessoas lotaram a Casa ONU, que também abriga os escritórios das Nações Unidas. Desde suas janelas, os funcionários  internacionais veem um vasto acampamento improvisado, construído principalmente de lâminas de plástico, coisas velhas e tábuas. Na Casa ONU estão algumas das primeiras vítimas da crise, sobretudo nuer das localidades vizinhas, que fugiram para a base na medida em que as forças de segurança invadiam suas casas durante os piores momentos dos enfrentamentos em Juba.

Entre os testemunhos recolhidos pela UNMISS há relatos de homens uniformizados que entram em suas comunidades para capturar e interrogar civis no idioma dinka. “Se a pessoa interrogada admitia ser nuer, não podia falar dinka ou falava nuer, era fuzilada”, segundo o informe. Muitos dinkas temem que a paz corra risco se Machar integrar um futuro governo. Não há uma solução política que cure todas as feridas do país.

A única opção é o perdão, pontuou à IPS o reverendo Bernard Oliya Suwa, secretário-geral do Comitê Nacional pela Paz e Reconciliação. Quando o cessar-fogo se firmar, sua tarefa será convencer Chioh, e inúmeros outros, a escolherem esse caminho e tentarem reconstruir o Sudão do Sul. O Comitê antecede o conflito. Kiir o criou em abril de 2013 e encomendou aos seus cinco membros, todos dirigentes religiosos, que abordem as injustiças cometidas durante a luta pela independência que os rebeldes do sul travaram durante décadas com Cartum.

Seu plano, iniciado no começo de dezembro, era recrutar nos condados do país “mobilizadores de paz”, que passariam meses em suas comunidades recolhendo testemunhos para apresentá-los aos mediadores locais. As cobranças por “maior preocupação”, como as queixas por destinação de recursos ou por atrocidades, seriam enviadas aos comitês estaduais ou nacionais, explicou Suwa. O plano do Comitê se adaptou à recente violência. Assim, trabalhará com mais dois órgãos, entre eles uma comissão parlamentar, para formar a Plataforma Nacional pela Paz e a Reconciliação.

Suwa reconhece que, depois dos recentes combates, “o nível de desconfiança no país é muito grande”, mas acredita que os membros do Comitê poderão ajudar a dissipá-la, embora somente se houver paz. Por isso, o novo acordo de trégua “é um enorme, enorme alívio. Sabemos que podemos ir em frente e aplicar nossos programas”, destacou.

O cessar-fogo entrou oficialmente em vigor na noite do dia 10, e se manteve por apenas sete horas. Funcionários da ONU confirmaram que os dois lados trocaram disparos na manhã seguinte em Bentiu e seus arredores. Quando Kiir regressou a Juba, nesse dia, os dois grupos já se acusavam mutuamente de provocar os combates. As acusações continuam todos os dias desde então.

Fonte: Envolverde/IPS


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