Um refugiado palestiniano em Portugal

quarta-feira, junho 18, 2014

Os palestinianos são uma das maiores comunidades apátridas do mundo, condição que molda a vida de várias gerações desde 1948. Obai Radwan, descendente de palestinianos, partilha a experiência de incerteza e deslocamento dos que são considerados apátridas.

palestinianoEste ano foi declarado pelas Nações Unidas como o Ano Internacional de Solidariedade com o Povo da Palestina. Em 1948, com a criação do Estado de Israel no território palestiniano, uma sociedade maioritariamente composta por árabes foi expulsa e desenraizada. Cerca de 700 000 palestinianos, dois terços da população residente, tornaram-se refugiados, os restantes ficaram sob a ocupação militar israelita. O território que se conhecia como Palestina foi ocupado pelo Estado de Israel, e os direitos palestinianos à nacionalidade e à propriedade foram anulados. A nacionalidade israelita foi concedida a qualquer judeu, de qualquer parte do mundo, mas recusada a todos os palestinianos que fugiram durante o conflito de 1947-1948, e mais tarde durante a guerra de 1967, tornando-se apátridas. Hoje há cerca de 4 milhões de refugiados palestinianos registados pela UNRWA (Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados) e ao todo cerca de 7 milhões de descendentes de palestinianos deslocados, dos quais metade é considerada apátrida, constituindo uma das maiores populações apátridas do mundo.

Assim se procurou apagar um povo e a sua história. Apagá-lo do mapa ao destruir as suas aldeias e ocupar o seu território, apagar a sua identidade ao negar-lhe a nacionalidade, a propriedade e os seus direitos fundamentais. Mas um povo não se apaga, ele permanece vivo, na memória e na força dos que ainda têm voz para gritar, à espera de serem ouvidos.

Obai Radwan, 32 anos, é descendente de palestinianos, nasceu nos Emirados Árabes Unidos mas é oficialmente apátrida. A única documentação que possui identifica-o como refugiado palestiniano. Vive em Portugal desde 2012, e aceitou partilhar nesta entrevista a sua ligação com a Palestina e o seu desenraizamento.

Nasceste em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, e passaste lá a maioria da tua vida, no entanto identificas-te como palestiniano. Qual é a tua relação com a Palestina, e como vês a identidade palestiniana?

Nasci em 1982, os meus pais são palestinianos e disseram-me desde muito cedo que  sou palestiniano e que pertenço àquela parte do mundo. Disseram-me que a nossa aldeia foi ocupada em 1948, que foi destruída e que já não existe no mapa. É por isso que me defino como palestiniano. Sofro diariamente com a minha identidade, tenho dificuldades em viajar para qualquer lugar, não tenho um passaporte normal, tenho um documento que me identifica como refugiado palestiniano, e que assim define a minha identidade.

O que te fez deixar Abu Dhabi e procurar asilo na Europa? Que dificuldades encontraste e qual a tua situação actual em Portugal?

Apesar de ter nascido em Abu Dhabi e vivido durante quase 30 anos nos Emirados Árabes Unidos, legalmente era considerado um estrangeiro. Como palestiniano a única identidade que tenho é um documento de viagem emitido pelo Egipto que me reconhece como refugiado palestiniano. Segundo as leis dos Emirados, podia viver lá como estrangeiro se estivesse a estudar ou trabalhar. Perdi o emprego que tinha em 2012, e como não consegui arranjar outro dentro de um mês, tive que deixar o país. Não podia voltar à Palestina, as autoridades israelitas não permitem o retorno de refugiados palestinianos, por isso fui para a Europa.

Inicialmente tentei encontrar asilo na Finlândia, mas a embaixada finlandesa não reconheceu o meu passaporte de refugiado, nem nenhum outro país no norte da Europa, Dinamarca, Suécia, Noruega, Alemanha. Não reconhecem o meu documento de identificação, que foi emitido por autoridades egípcias quando os meus pais fugiram da aldeia onde viviam, Hamama, para se refugiarem em Gaza, que na altura estava sob controlo do Egipto. Os meus pais foram considerados refugiados em territórios egípcios, por isso receberam esse documento que os identificou como refugiados palestinianos, mas que é um documento que garante muito pouco. É esse também o único documento que me identifica. Até para viajar para o Egipto eu preciso de pedir um visto, para entrar em qualquer país preciso de pedir um visto, mesmo nos países árabes. Apenas a Síria permitia que refugiados palestinianos entrassem no seu território sem visto, mas desde o início da guerra civil deixou de ser um lugar de entrada, para passar a ser um lugar de saída de muitos refugiados.

Muitos países não aceitam sequer os meus pedidos de visto por não reconhecerem o documento que me identifica como refugiado palestiniano, como aconteceu na Embaixada Finlandesa. Como estava a tentar ir para a Europa fui aconselhado a tentar um pedido de visto à Embaixada Portuguesa, que aceita documentos de refugiados. Lá pedi um visto Schengen, que é praticamente um visto turístico e não residencial, mas pedi-o para poder vir para a Europa.

Foi muito complicado consegui-lo, porque uma das condições exigidas era que tivesse um trabalho com um bom salário e o facto de ter perdido o emprego foi a razão que me fez procurar asilo na Europa. Mas consegui-o, cheguei a Portugal em Dezembro de 2012, deram-me um visto de residência temporária, que tenho que renovar de quatro em quatro meses. Fiz um pedido de asilo, que foi rejeitado, mas com a ajuda de um advogado fiz um recurso à SEF [Serviço de Estrangeiros e Fronteiras], e se aceitarem o meu recurso irão dar-me a residência permanente, se for rejeitado outra vez será transferido para um tribunal que tomará a decisão final. Há dois tipos de residência permanente em Portugal, a primeira dá protecção humanitária e deve ser renovada de dois em dois anos, e a outra é uma residência concedida a refugiados que deve ser renovada em cada 5 anos, mas ambas permitem que receba a minha família em Portugal, que é o meu objectivo. Tenho sete irmãos, dois rapazes e cinco raparigas, e a situação deles em Abu Dhabi não é boa.

Porque é que países árabes próximos da Palestina não estão a ajudar os palestinianos?

Os palestinianos não são bem recebidos nos países árabes vizinhos, em parte porque estes temem que os palestinianos vão tentar formar grupos militares para lutar contra Israel desses territórios próximos, o que seria um problema para eles. Não querem criar conflitos com Israel, que tem o apoio dos Estados Unidos, e que é um estado muito poderoso. E também porque nesses países se pensa que os palestinianos irão ficar com as oportunidades de trabalho e de educação, vê-se de uma forma negativa os imigrantes. No Líbano é também uma questão sectária, há conflitos entre as populações cristãs e os diferentes grupos de muçulmanos, xiitas e sunitas. Apesar de existir uma população significativa de palestinianos refugiados no Líbano [cerca de 400 000], são discriminados. Por não serem reconhecidos como cidadãos de um outro estado têm direitos limitados, não podem trabalhar em cerca de 70 profissões, a maioria vive em pobreza. Por isso os refugiados palestinianos preferem procurar asilo nos Estados Unidos, na Europa ou na Austrália.

Quantos palestinianos vivem em Portugal?

Em Portugal vivem cerca de 40 palestinianos em situações variadas. Alguns têm trabalho, como eu, os que não conseguem arranjar trabalho recebem ajuda da segurança social. Há também alguns com altas qualificações, doutoramentos. Shahd Wavi, luso-palestiniana, é doutoranda em Estudos Feministas.

O que poderia ser feito em defesa do povo palestiniano, que mensagem gostarias de deixar ao governo português?

Pediria que cortasse as relações com o Estado de Israel, que se organizassem campanhas de boicote a Israel. O Governo Português cancelou um acordo entre a EPAL e a Mekorot, a companhias de águas israelita, depois de uma grande campanha de boicote e protestos. Há uns meses atrás participei num protesto no Largo Camões contra esta parceria, e pouco depois a EPAL anunciou o corte de relações com a companhia de águas israelita. Este tipo de acções são muito importantes.

Quais são as actuais leis em relação à nacionalidade no Estado de Israel, e nos territórios que estão sob a Autoridade Palestiniana?

Para os palestinianos há vários tipos de documentação, os que vivem nas zonas que estão sob a autoridade palestiniana como a Faixa de Gaza ou a Margem Ocidental têm uma identificação que não lhes permite ir a outras partes da Palestina, só podem circular entre essas áreas. Os palestinianos que têm uma identificação dada pelas autoridades israelitas têm um passaporte israelita que lhes permite circular por todo o estado excepto nas áreas da Faixa de Gaza e a Margem Ocidental. Segundo o governo israelita são considerados cidadãos de segunda classe. Há também os palestinianos de Jerusalém que estão confinados à área da cidade, e que não podem circular por outras áreas.

O documento de refugiado que eu tenho não me permite ir a nenhuma parte da Palestina, porque Israel se recusa a obedecer à resolução 194 das Nações Unidas, que defende o direito dos refugiados retornarem aos lugares onde viviam.

Com os acordos de Oslo [1993] alguns poucos refugiados receberam o direito de voltar às áreas que estão sob a autoridade palestiniana, a Faixa de Gaza e a Margem Ocidental, mas não aos lugares de origem que foram ocupados por Israel. O próprio presidente palestiniano, Mahmoud Abbas, é originalmente de uma região no norte da Palestina, mas vive na Margem Ocidental porque não pode voltar à sua terra natal, que é agora parte de Israel.

É preciso que os direitos dos palestinianos sejam reconhecidos. Os israelitas têm o direito à nacionalidade, podem viajar para onde quiserem e quando quiserem, e voltar sem qualquer problema, o mesmo devia acontecer com os palestinianos. Quando o Estado de Israel foi criado, a qualquer judeu de qualquer parte do mundo era dada a nacionalidade israelita, mas os palestinianos perderam a nacionalidade.

Nos territórios sob a autoridade palestiniana como a Faixa de Gaza a vida é muito difícil. Na Margem Ocidental há demasiados postos de controlo, de uma cidade para outra é muito difícil e demorado viajar. É difícil para os estudantes irem para as escolas, para os trabalhadores se deslocarem até aos lugares de trabalho, o acesso aos hospitais é dificultado. Na Faixa de Gaza não há postos de controlo, mas há um bloqueio que os impede de fazer trocas com outros países, há falta de água e de medicamentos.

O que tem sido feito a nível internacional para proteger os direitos dos palestinianos considerados apátridas? O que pode ser feito?

Podem ser aplicadas sanções a Israel por não cumprir a lei internacional e as resoluções das Nações Unidas. Israel viola constantemente a lei internacional, mas continua a ser tratado acima da lei, a não aplicar as resoluções fundamentais das Nações Unidas. A resolução do direito de retorno dos refugiados é para mim a mais importante.

É importante fazer pressões a nível internacional para que as leis sejam cumpridas, e que os direitos fundamentais dos palestinianos sejam respeitados. O direito à nacionalidade é um direito fundamental, mas pouco é feito para que seja garantido para os palestinianos. Nasci em Abu Dhabi e lá vivi quase 30 anos mas não me foi concedido o direito à residência permanente, nem ao meu pai, que trabalhou lá desde 1974. Mesmo que consiga um passaporte europeu, se quiser ir à Palestina terei dificuldades, pois basta que reconheçam a minha origem como refugiado palestiniano para que não me deixem passar.

O que podem fazer as pessoas comuns para apoiar o povo palestiniano?

Não peço aos meus amigos portugueses que vão pegar armas e lutar pela Palestina, mas que lutem com palavras, que informem sobre a questão palestiniana e que se mantenham informados. O boicote a companhias e produtos israelitas é também importante. Podem participar nos protestos e acções e manter-se informados.

Fonte: JUP


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