Desespero atrai refugiados sírios de volta ao califado sunita do EIIL

domingo, julho 20, 2014

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Selado secretamente entre britânicos e franceses, o Acordo Sykes-Picot definiu em 1916 as fronteiras dos Estados do Oriente Médio. Ele deve o nome a seus negociadores, o diplomata francês François Georges-Picot e o militar britânico Mark Sykes. Para ver um bom exemplo dos efeitos desse tratado, quase cem anos depois, basta ir a Akçakale.

 

A cidadezinha fica no sudeste da Turquia, perto da fronteira com a Síria. A apenas uns cem metros de distância, atrás das cercas de arame farpado, trilhos de trem e alguns metros de terra de ninguém, veem-se as primeiras casas da vizinha Tel Abyad.

 

Como tantas outras cidades e aldeias ao longo dessa fronteira, antes Akçakale e Tel Abyad eram uma só localidade – até que um grupo de cartógrafos decidiu que a linha ferroviária que a cortava passaria a demarcar a fronteira entre dois países.

Uma localidade, dois destinos

Atualmente, as duas cidades enfrentam destinos bem diferentes. Em janeiro, a síria Tel Abyad caiu sob o controle do Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL), grupo extremista sunita que, junho último, ocupou largas faixas de terra no Iraque e jurou rasgar o Acordo Sykes-Picot.

Os moradores de Akçakale, já acostumados a viver à beira de uma guerra civil, agora têm que se acostumar a viver na fronteira do califado islâmico do EIIL. A fronteira em si parece estar surpreendentemente pouco protegida: apenas alguns soldados turcos operam as torres de observação na “terra de ninguém”, enquanto outro punhado patrulha as ruas, em Land Rovers de teto de lona.

 

Um morador local turco comenta que, apesar do mínimo de segurança na fronteira, ele não tem medo de ataques do EIIL em seu lado da demarcação. “As forças de inteligência turcas são fortes”, afirma. Surpreendentemente, a fronteira também continua aberta – embora só esporadicamente e apenas em uma direção. Reunidos em pequenos grupos, todas as segundas, quartas e sextas-feiras, dezenas de sírios – a maioria, refugiados dos redutos de Raqqa e Deir Ezzor – esperam o portão se abrir.

 

Governo com mão de ferro

 

sirios_homem_califado_IKMRAntes de passar, eles têm suas impressões digitais recolhidas e são advertidos de que não poderão retornar por ali. Para os homens, isso não é um problema: se quiserem voltar para a Turquia, basta pagar um contrabandista de pessoas ou usar uma das passagens de fronteira mais a oeste, fora do território do EIIL.

 

“Venho entrando e saindo de Tel Abyad, com a região sob controle do EIIL, e eu não tenho tido problemas”, comenta um homem de 22 anos. “É seguro. Mas eles estão governando com mão de ferro. Se você fumar fora de casa, eles vão lhe dar grandes problemas, talvez cortem a sua mão.”

 

Outras pessoas não pareciam tão a vontade para falar com a reportagem da DW abertamente. “Todos os dias em Tel Abyad eles decapitam gente”, revela um adolescente, “isso se tornou uma coisa normal.” Seu amigo logo lhe puxa o braço e alerta: “Não fale com jornalistas! Nós não queremos ter problemas.”

 

Poucos ali na fronteira se dispõem a falar, com medo de serem observados pelos combatentes do EIIL a partir dos postos de vigilância em Tel Abyad, ou – como sugere um homem – de que possa haver informantes no lado turco da fronteira.

 

Baya’aé a saída

 

Dada a brutalidade do novo regime no país vizinho, surpreende que alguém queira voltar à Síria. Mas, após seis meses fugindo do EIIL, muitos sírios de Tel Abyad estão cada vez mais desesperados com sua situação em Akçakale. O trabalho é escasso e os salários são dolorosamente baixos para os trabalhadores sírios, tão expostos à exploração.

 

Numa casa em ruínas, a algumas ruas de distância da fronteira, deitados em delgados colchões na tarde quente, um grupo de homens conta por que pretende retornar. Fantasmas da velha revolução, a maioria deles tinha lutado pelas facções rebeldes mais moderadas. Um fora ativista civil, recusando-se terminantemente a pegar em armas, mesmo quando a revolução desembocou em guerra.

 

Todos vieram para Akçakale por saber que suas vidas estavam em perigo, assim que o EIIL tomou o controle do território que eles mesmos haviam arrancado ao regime sírio. Mesmo assim, veem poucas opções, fora retornar.

 

“Se você nos vir do lado do EIIL, não deve nos culpar”, apela Mohammed, de 30 e tantos anos, forte e de cabeça raspada. Ele foi o líder da brigada Omar Bin Khatib, do Exército Livre da Síria (FSA), mas há seis meses não coloca seus pés no país.

 

Ele aponta para outro combatente estendido no chão, de pé ferido e fumando um cigarro Marlboro Red atrás do outro. “Este cara precisa de fisioterapia, mas o FSA nos decepcionou. Se você fica ferido, ninguém cuida de você. Eu preferiria viver numa região dominada pelo EIIL. Em 15 dias, vou voltar e fazer o baya’a.”

 

Baya’a é o ato islâmico de contrição e juramento de fidelidade. Há dois meses, o EIIL anunciou que permitiria aos ex-rebeldes retornarem e viver livremente em Tel Abyad, desde que prestassem o baya’a. Muitos aceitaram a oferta: praticamente todos os rebeldes em Akçakale dizem ter amigos que o fizeram, outros já estão se preparando pessoalmente para o juramento.

 

“Melhor do que morrer todo dia na Turquia”

“Não se tem trabalho aqui, eu não tenho dinheiro”, queixa-se Abu Hussein, de 22 anos. Ele aparenta ser mais jovem, mas nos últimos três anos já viu mais do que a maioria dos homens em toda uma vida. Ele já lutou com a Brigada Farouq, de orientação mais moderada, porém, quando ela se desfez, passou para um grupo mais linha-dura, o Ahrar Al Sham. Em janeiro lutou contra o EIIL em Tel Abyad, antes de fugir para Akçakale para salvar a vida.

Agora, no entanto, diz estar disposto a viver sob o grupo que há apenas seis meses era seu inimigo ferrenho. “Eles declararam que todo o mundo que se arrepender, pode vir. Eles têm alguns lados negativos e alguns positivos. Tel Abyad é muito segura agora, porque as pessoas têm medo deles. Antes, era um caos. Mas eu ainda não vi com os meus próprios olhos como eles estão aplicando a sharia[lei tradicional islâmica].”

O ex-rebelde Khalid, de 31 anos, diz saber que está voltando para viver sob uma ditadura. Mas, diante das circunstâncias, essa era a melhor opção. “Eu sei que não vou ter direitos na Síria, mas isso não é tão ruim. Os turcos nos tratam como escravos, então estar em casa é muito melhor. É melhor morrer uma vez na Síria do que morrer todos os dias na Turquia.”

Fonte: DW

 

 


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