Líbano fecha suas portas a refugiados palestinos da Síria

terça-feira, julho 8, 2014

Refugiados palestinos em um acampamento improvisado no Líbano. Foto: Mutawalli Abou Nasser/IPS

Refugiados palestinos em um acampamento improvisado no Líbano. Foto: Mutawalli Abou Nasser/IPS

O Líbano fechou suas fronteiras para dezenas de milhares de palestinos que vivem na Síria e buscavam segurança e uma possível via de fuga para a Europa, após ficarem deslocados pela violência da guerra civil de mais de três anos no país vizinho. A família de Iyad, de 19 anos, se exilou da Palestina em 1948 após a criação do Estado de Israel e fugiu para o acampamento de Yarmuk, em Damasco, onde se estabeleceu. Mas a violência e a repressão governamental novamente impactaram sua comunidade.

Agora o jovem está fugindo da Síria, mas sua segurança no Líbano não está garantida. Iyad chegou ao país em dezembro, com a intenção de viajar para a Líbia e, dali, fazer a perigosa viagem para a ilha italiana de Lampedusa. Mas em junho seus planos se frustraram, quando as forças de segurança libanesas o detiveram, junto com outros 48 jovens palestinos, quando tentavam abandonar o país pelo aeroporto de Rafiq Hariri, em Beirute.

Após quase dez horas de investigação, os funcionários decidiram deportar os jovens de volta à Síria, já que não tinham os documentos necessários. Assim, as autoridades libanesas descumpriram uma política anterior de não devolver nenhum refugiado que fugisse do derramamento de sangue no país vizinho. E, com as novas restrições, os palestinos da Síria não podem entrar no Líbano sem autorização da Segurança Geral Libanesa.

Por sua vez, as autoridades sírias não concedem autorizações para nenhum palestino partir para território libanês sem o consentimento prévio da embaixada do Líbano. Os guardas de fronteira têm a faculdade de devolver os palestinos sem consultar as autoridades em Beirute. Presos em um labirinto kafkiano, cada vez mais palestinos são obrigados a cruzar a fronteira de forma clandestina, se colocando na posição cada vez mais vulnerável de viver no Líbano sem os documentos necessários.

A organização Human Rights Watch alertou que o governo libanês viola o princípio internacional de “não devolução”, que proíbe os Estados de devolverem solicitantes de asilo ou refugiados para um lugar onde sua vida ou liberdade corram risco. “Não há outra maneira de regressar à Síria, em absoluto. Sou maior de idade e sei que terei que ir para o exército e me farão carregar armas e matar. Não vou fazer isso. Não vou disparar uma arma de fogo em uma luta que não é minha”, afirmou Iyad, que desde então retornou ao Líbano.

Mahmoud estava no grupo junto com Iyad, mas agora teme que as autoridades sírias o prendam se cruzar novamente a fronteira para a Síria. Não tem muitas opções, mas garante que fará o “impossível” para não voltar ao território sírio. “Sei que os serviços de segurança sírios me procuram e todos sabemos o que ocorre quando alguém vai parar em um lugar desses, é uma passagem de ida. Nem mesmo entregam o corpo à família. Só lhes dizem que seu filho morreu de uma doença e que eles ficarão com o cadáver”, afirmou à IPS.

“Se começaram a deportar nossos jovens, saberemos muito bem que seu destino será a prisão ou a morte. Necessitamos de uma resposta para a questão dos refugiados palestinos que fogem da Síria, sobretudo porque a única janela que tinham era o Líbano”, afirmou o monitor local dos direitos humanos, Alaa Al Sahli. O governo libanês tem o direito de defender suas fronteiras e a enorme afluência de refugiados gera uma grande pressão sobre o Líbano. Mas os palestinos desesperados por segurança se perguntam o motivo de serem castigados.

O governo do Líbano assegurou à agência da Organização das Nações Unidas (ONU) encarregada dos refugiados palestinos no Oriente Médio que as restrições são provisórias, mas não há indícios de uma mudança de rumo. Dezenas de famílias palestinas ficaram separadas com a mudança de regras.

Vai fazer um ano que Nour chegou ao Líbano com sua família, mas, com suas economias quase esgotadas e sem um fim à vista dos combates na Síria, decidiram emigrar como refugiados para a Europa. Nour pediu emprestado o equivalente a US$ 400 para voltar à Síria com sua pequena filha para cuidar dos documentos que a família precisaria para viajar para a Europa. Era muito caro viajar com seu marido e os outros três filhos, por isso ficaram no Líbano.

Ao concluir os trâmites, Nour e sua filha quiseram voltar ao território libanês, mas as autoridades não autorizaram. “Não sei o que aconteceu. Não tem sentido. Meu marido e meus filhos estão no Líbano e eu estou aqui com minha filha. O guarda me disse que não posso passar e que o resto da família terá que voltar à Síria se quiser ficar junto. Mas o que esperam que façamos? Viver nas ruas para passar fome e sofrer a guerra e a morte?”, perguntou.

Um informe da Anistia Internacional, divulgado no dia 1º deste mês, ilustra a desesperada situação das famílias que ficaram separadas em sua tentativa de reingressar no Líbano. Segundo essa organização, foram encontradas evidências de uma política para negar aos refugiados palestinos da Síria a entrada no Líbano, sem importar se estão com seus documentos de entrada em dia. Essa evidência inclui um documento que vazou, ao que parece dos serviços de segurança, que ordena as empresas aéreas que utilizam o principal aeroporto de Beirute a não transportarem para o Líbano viajantes que sejam refugiados palestinos da Síria, independente de seus documentos.

“As autoridades libanesas devem pôr fim imediato às políticas abertamente discriminatórias contra os refugiados palestinos que chegam da Síria”, destacou Sherif Elsayed Ali, encarregado de direito dos migrantes e refugiados na Anistia Internacional. “Embora a afluência de refugiados tenha gerado enorme pressão sobre os recursos libaneses, não há desculpas para o abandono dos refugiados palestinos que buscam a segurança no Líbano”, acrescentou.

Os refugiados palestinos no Líbano sempre foram marginalizados e frequentemente são utilizados como bode expiatório, sobretudo desde o papel que desempenharam na guerra civil libanesa (1975-1990). Agora que a região sente a tensão do conflito na Síria, novamente são castigados por uma guerra da qual não têm culpa.

Fonte: IPS


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