Refugiados Tuaregues de Mali estão atolados entre a pobreza e a violência

quarta-feira, julho 2, 2014

Campo de refugiados de Mentao, próximo a Djibo, Burkina Faso.

Campo de refugiados de Mentao, próximo a Djibo, Burkina Faso.

Bem no fundo do Sahel Ocidental, aquele cinturão geográfico entre o deserto do Saara ao norte e a savana ao sul, milhares de refugiados de Mali esperam na areia. Desalojados por dois anos de conflito e queimados pelo sol implacável do deserto, eles se abrigam em tendas improvisadas feitas de cobertores e sacos plásticos que sempre são arrastadas pelas tempestades.

No extenso campo de refugiados de Mentao, na remota região norte da pequena Burkina Faso, seus habitantes cansados e assustados sonham em voltar para casa.

“Queremos voltar, preferimos morrer em nosso lar do que continuar miseráveis aqui”, disse Inzoma Ag Athadassa, um pastor tuaregue de 76 anos que fugiu de sua casa perto de Tombuctu com a família de nove pessoas. Mas acrescentou: “Temos medo. A paz ainda não foi restabelecida em Mali. Alguém que teme por sua vida e sua dignidade, essa pessoa não volta.”

Os 12 mil refugiados do campo, a uns 50 quilômetros da fronteira maliana, dizem estar atolados. Eles fugiram da violência em seu país e acabaram famintos, pobres e doentes enquanto a crise de alimentos no Sahel devasta o pequeno vizinho de Mali.

“Temos dois problemas agora: o problema em Mali e o problema da vida aqui. Estamos seguros, mas quem tem fome não dorme bem, mesmo estando seguro”, disse Oumar Ag Ibrahim, um tuaregue de 55 anos que deixou a cidade de Gossi, também na área de Tombuctu, em fevereiro de 2012. “Não há vida sem comida”, ele acrescentou. “Nós nos sentimos presos.”

Burkina Faso é um dos muitos países do Sahel passando por uma seca de anos que já matou milhares e deixou milhões lutando para sobreviver. Este ano, mais de 20 milhões de pessoas na região encaram a fome, e cinco milhões de crianças estão desnutridas. Mesmo recebendo rações de alimentos do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) e organizações como a ECHO, a agência humanitária da Comissão Europeia, a ajuda internacional a esses refugiados tem diminuído nos últimos meses. “Não há remédio suficiente, não há abrigo suficiente, não recebemos muito este ano”, disse Ibrahim. “Não há nada para comer.”

Em tempos melhores, eles poderiam se aventurar para fora do acampamento e comprar mais comida com seu subsídio mensal de 3.500 francos CFA (cerca de R$15) por pessoa. Mas com a população local lutando contra a seca e colheitas fracassadas, está cada vez mais difícil encontrar produtos.

Oumar Ag Ibrahim (o último à esquerda) fugiu de Mali em fevereiro de 2012.

Oumar Ag Ibrahim (o último à esquerda) fugiu de Mali em fevereiro de 2012.

“Vamos até as aldeias, e procuramos arroz, milho e sorgo, mas não encontramos nada. Não há comida nem para os animais”, disse Ibrahim. “A necessidade está por toda parte.”

Lutando para sobreviver e sentindo saudades de casa, alguns refugiados tentam voltar. Mas muitos acabaram retornando ao acampamento, trazendo histórias de violência, ataques por vingança e caos.

“A situação dos refugiados é de medo. Algumas pessoas preferem voltar a ficar”, disse Athadassa. Eles saíram de lá inicialmente porque perceberam que “certas cores” eram mais visadas, referindo-se à cor mais clara dos tuaregues, um povo nômade berbere. Agora, os que ousam retornar são vítimas de retaliação contra “os malfeitores: os islâmicos e seus associados”.

Mali foi disparado para o topo da agenda internacional em 2012, quando rebeldes separatistas tuaregues do Movimento Nacional pela Libertação de Azauade (MNLA), apoiado por grupos islâmicos, tomaram o controle do norte e declararam a região um país independente. Mas quando os islâmicos começaram a impor sua visão de um estado de charia, a aliança instável começou a desmoronar. Os separatistas do MNLA e os islâmicos que sequestraram a rebelião se voltaram uns contra os outros, e quando a França mobilizou tropas para o país em janeiro de 2013, os separatistas se aliaram à missão internacional e seus antigos inimigos do governo para tentar derrotar o monstro que tinham ajudado a soltar.

Uma iniciativa de paz foi assinada em Burkina Faso em junho de 2013. Mas confrontos continuaram e o MNLA declarou o cessar-fogo morto alguns meses depois.

Em maio, um surto de violência renovada entre as forças do MNLA e o exército matou dezenas de pessoas, e mandou ondas de refugiados para os países vizinhos. O governo anunciou que, mais uma vez, estava “em guerra” com os tuaregues. Agora, um frágil cessar-fogo foi negociado, mas os rebeldes estão mantendo suas posições e, dada a história, poucos esperam que isso leve a uma paz significativa.

Em junho, o secretário-geral da ONU Ban Ki-moon expressou preocupação com a deterioração da segurança em Mali, e apontou os confrontos entre tropas do governo e grupos armados, além de entre os islâmicos e o MNLA. Os tuaregues enfrentam a vingança e ameaças dos islâmicos e outros grupos, ele disse. Grupos de direitos humanos também relataram abusos e assassinatos nas mãos das forças do governo e outros grupos leais a ele, sendo os tuaregues os alvos principais.

“Se não há problema em Mali, o que tem sido resolvido em Mali?”, disse Ibrahim. “Todo dia, você escuta que tal pessoa foi morta. Todo dia você escuta sobre confrontos. Anteontem mesmo houve um confronto entre o MNLA e os islâmicos. Ainda há problemas: os islâmicos ainda estão no norte de Mali, e quem eles procuram? Nós somos do norte, somos o MNLA. Então, enquanto isso estiver acontecendo em Mali, não poderemos voltar.”

Mas a última rodada de confrontos no país chamou pouca atenção da imprensa. A maior parte das câmeras de televisão está voltada para conflitos mais perto de casa – para Síria, Iraque, Ucrânia.

“Em 2012 e 2013, tivemos muitos outros parceiros que vieram complementar a ajuda da ACNUR. Mas, em 2014, todos foram para a Rússia”, disse Ibrahim, referindo-se à crise na Ucrânia. “Nós nos sentimos abandonados. O mundo todo está cuidando da Rússia, [eles acham] que lá o problema é mais sério.”

E o governo de Burkina Faso continua lutando para alimentar sua própria população. E como o país é um mediador do conflito em Mali, a presença de 32 mil refugiados dentro de suas fronteiras é uma questão politicamente sensível. De forma discreta, em maio, o país concordou com uma estratégia da ACNUR de “repatriamento voluntário” para os refugiados.

Uma mulher caminha pelo campo de refugiados de Mentao.

Uma mulher caminha pelo campo de refugiados de Mentao.

A ACNUR parece ter sido pega entre interesses conflitantes. Eles insistem que os refugiados são “bem-vindos” em Burkina Faso, mas reconhece que, dadas as dificuldades do próprio país com a crise dos alimentos, o repatriamento deve acontecer “o quanto antes, melhor”. Depois do acordo de maio, o grupo começou uma campanha de informação em um dos três campos de refugiados de Burkina Faso, explicando o que significaria retornar. Os refugiados recebem conselhos sobre os riscos que podem enfrentar em Mali; os que escolhem voltar precisam assinar um termo de isenção.

Ao mesmo tempo, a ONU insiste em reconhecer que ainda não é seguro que os refugiados voltem para casa. “Concordamos que as condições em Mali ainda são pouco condutivas [para o retorno]”, disse Angèle Djohossou, vice-representante do ACNUR em Burkina Faso. A ONU não está “encorajando-os” a fazer isso, disse ela.

Mas Djohossou também disse: “Burkina Faso é um país muito pobre e, quando a crise em Mali começou, o país já encarava seus próprios problemas socioeconômicos, incluindo falta de alimentos, enchentes, desnutrição… Isso é um fardo adicional para o governo”. A ONU estava buscando financiamento extra para ajudar, segundo ela.

Um oficial sênior da União Europeia na região disse que esses interesses conflitantes podem “alimentar tensões”. Quanto aos refugiados: “Certamente, há o sentimento de que eles foram abandonados… Quanto mais eles permanecerem, pior será”, ele disse.

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Tradução: Marina Schnoor

Fonte: VICE


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