Frustração e medo entre os deslocados no Iraque

domingo, setembro 21, 2014

Uma nova ameaça paira sobre os milhares de deslocados internos no norte do Iraque: a chegada do inverno, que promete graus negativos. O investigador da Amnistia Internacional para os Direitos dos Refugiados e dos Migrantes, James Lynch, esteve no local e deixa um retrato preocupante da situação. Um texto que este domingo, 21 de setembro, assinala o Dia Internacional da Paz, dedicado ao tema: “O Direito dos Povos à Paz”.

Internally displaced people in northern IraqPor James Lynch, investigador dos Direitos dos Refugiados e dos Migrantes, no norte do Iraque

Um pouco por todo o lado, no norte do Iraque, milhares de pessoas deslocadas das suas casas pelo conflito tentam agora sobreviver em condições cruéis. À medida que o inverno se aproxima, estas só podem piorar.

Na cidade de Derabon, perto das fronteiras turca e síria, um grupo de famílias deslocadas descobriu um pedaço de terra junto às estradas e, tão simplesmente, construiu abrigos muito básicos com madeira e palha. Conseguem água – muito pouco potável – de uma fonte que fica a meia milha (quase um quilómetro) de distância e vivem sem qualquer tipo de energia.

Quando estávamos no local, chega um camião e distribui colchões qua tinham sido doados, mas estes não chegam para todos. Um grupo de crianças luta pelo último colchão e a luta termina em lágrimas para aqueles que vão passar mais uma noite no chão duro. Muitas das crianças não têm sapatos e os adultos pedem-nos que tiremos fotografias da pele dos seus pés, inchada, dura e partida, para mostrarmos ao mundo o que estão a viver.

Este episódio é apenas um vislumbre das dificuldades que milhares de pessoas estão a ser forçadas a suportar.

O movimento de pessoas foi de tal forma rápido e intenso, depois do Estado Islâmico (EI) entrar em Sinjar no início de agosto, que em poucos dias centenas de milhares de pessoas – principalmente da minoria yazidi– saíram pela fronteira síria e tiveram de voltar a entrar no norte do Iraque.

Um mês depois continua a não haver nenhum local que chegue para acomodar todos. Os campos que foram construídos estão cheios. Para os que se abrigam em escolas, edifícios em construção ou ao ar livre, as condições de vida podem ser verdadeiramente brutais.

Em Khanke, uma pequena cidade, 91 deslocados vivem amontoados num edifício de betão inacabado numa movimentada rua comercial. É palpável o choque profundo que sentem por terem sido expulsos das suas terras natal de forma brusca e violenta. Um homem está sentado contra a parede, incapaz de falar, ao que tudo indica resultado da experiência traumática que viveu.

O proprietário do edifício diz que permite que usem o espaço porque ele próprio está horrorizado e comovido com a sua situação. O inverno, que começa daqui a poucos meses, paira sobre as cabeças de toda a gente. “No inverno as temperaturas descem abaixo de zero e não há nenhum muro que impeça o frio de entrar neste lugar. Estou muito preocupado com as crianças poderem adoecer se ficarem aqui”, alerta.

Apesar de ter começado de forma lenta, estão agora a ser construídos novos campos para deslocados pelas Nações Unidas e pelo governo regional, para tentar evitar uma catástrofe ainda maior com a chegada dos meses frios. Porém, parece que as 129.000 pessoas que vivem em escolas em Dohuk vão, provavelmente, ser as primeiras a serem instaladas, para que a escola possa começar para as crianças da região.

A crise dos deslocados internos no Iraque, que se tem agravado progressivamente ao longo de 2014 à medida que o conflito assola Anbar, Mosul e Sinjar, afeta pessoas de praticamente todas as comunidades étnicas e religiosas do Iraque – entre as mais profundamente afetadas estão os cristãos assírios, xiitas turcomanos, xiitas shabak, yazidis, kakais e sabean mandaeans. Há cerca de 1,5 milhões de deslocados internos em todo o país, o que tem deixado as organizações humanitárias no seu limite e com dificuldades de conseguirem apoio para aqueles que estão em áreas consideradas demasiado perigosas para que os seus funcionários lá possam chegar.

Por todo o lado há frustração e confusão. As pessoas não compreendem porque a ajuda não chega mais depressa. Um grupo de cristãos deslocados a viver no chão de uma igreja da cidade de Erbil foi visitado por altos dignitários estrangeiros, incluindo o Ministro dos Negócios Estrangeiros francês, mas a atenção mediática não mudou o facto de continuarem a viver com água intermitente e a dormirem mais de 60 pessoas numa tenda.

Enquanto o mundo se foca na forma com vai lidar com a ameaça do EI, os deslocados pelo conflito questionam-se sobre as opções para o futuro. Ninguém espera que o conflito termine rapidamente, mas seja como for muitas pessoas estão convencidas de que mesmo que o EI possa ser forçado a sair das suas cidades, jamais poderão voltar às suas casas. Acreditam que as forças iraquianas e curdas as vão proteger de ataques futuros.

Muitos dizem querer sair do Iraque e descobrir outro país para viver. Um pai instruído com três filhos, a viver na cidade de Sharia, confessa que está a pensar levar a família para a Turquia, para depois tentarem passar ilegalmente a fronteira para a Grécia e para a União Europeia. Explicamos-lhe o quão perigosa é a travessia e que pode não trazer uma vida melhor para a sua família. Porém, ele pergunta que outras opções terá. “O que mais podemos fazer? Não podemos voltar para casa, sabemos que ninguém nos iria proteger. E aqui não temos grande esperança. A minha mulher está grávida de nove meses, por isso penso que é melhor partirmos algumas semanas depois do bebé nascer, para passarmos as montanhas antes do inverno chegar”.

Fonte: Amnistia Internacional Portugal


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